“Ela é nossa!”: ricochetes entre identidade e património na festa da Bugiada e Mouriscada
Na vila de Sobrado (Portugal) realiza-se uma festa muito pouco conhecida para lá dos limites geográficos e afectivos da localidade. É, no entanto, um elemento central do universo social local, foi objecto de emblematização à escala regional e de inventariação com vista a ser património nacional.A festa acontece a 24 de Junho, dia de São João, apesar de este não ser o santo padroeiro da freguesia e de o carácter religioso da festividade ser pouco expressivo. Na festa, a locução “Ela é nossa!” alude à imagem do santo. Porém, esta asserção é também usada com outros sentidos e fora do evento festivo. “Ela é nossa!” refere-se amiúde à própria festa. A festa é dos sobradenses. E esta reivindicação convoca múltiplas camadas de análise. Desde logo, a “tradição”. E com isto, a memória colectiva. Depois, o “património”, quer na sua acepção de herança, quer na sua mais badalada versão de “património cultural imaterial”. Aliás, foram os esforços para patrimonializar a festa que acentuaram este sentimento de “posse”, colocando os sobradenses perante a encruzilhada dos processos de patrimonialização, divididos entre o orgulho de ver a sua festa reconhecida e o receio de perderem o controlo sobre ela.“Ela é nossa!” vinca uma apropriação com diferentes alcances, mas todos remetem para um sentimento de pertença, todos veiculam uma afirmação identitária.Partindo do caso do São João de Sobrado – ou festa da Bugiada e Mouriscada – proponho uma reflexão sobre representações e práticas que nos falam sobre a estreita articulação entre identidade e património.