O JAGUAR NO PANTANAL – UMA ETNOGRAFIA MULTIESPÉCIES.
Este trabalho é fruto de uma pesquisa etnográfica desenvolvida no Pantanal matogrossense brasileiro, em propriedades rurais que abrigaram projetos científicos voltados para o estudo e a preservação da onça-pintada, ou jaguar. Há uma relação complexa entre ecologia, caça, criação de gado e turismo nessa região, que é habitada secularmente por gente e vacas. A onça é vista muitas vezes como um problema ou animal nocivo nesse contexto, o que remete às histórias locais sobre os zagaieiros, antigos caçadores que enfrentavam as onças apenas com uma espécie de lança de origem indígena, a zagaia.
Nos estudos científicos realizados nas fazendas pantaneiras, a caça se converte em captura, e a onça, ao invés de ser abatida, leva um tiro de dardo anestésico para que possa fornecer dados e amostras para pesquisas. Há neste caso um processo de transição nas relações entre humanos e animais no âmbito do qual a natureza ameaçadora do passado se converte numa natureza frágil, ameaçada, que passa a precisar ser protegida das ações humanas.
O Pantanal é também procurado por turistas de várias partes do mundo, que querem observar animais selvagens. O aparato turístico, com caminhonetes, guias, câmeras, produz uma determinada relação, colocando o humano na posição do sujeito observador e o animal na condição do objeto observado. O recorte ecológico depende, entretanto, de uma exclusão da presença humana na paisagem. Mas se vacas e vaqueiros desaparecem de cena no turismo, ele ganham o primeiro plano nos relatos apresentados neste estudo.
O objetivo do trabalho é entender as relações constituídas em um lugar habitado por gente, gado e onças, onde as relações entre ver e ser visto, predador e presa, caçador humano e animal, são questões cruciais. A temática da reciprocidade do olhar pode dar origem a uma série de questões, principalmente quando a onça deixa de ser um item numa coleção de história natural e passa a habitar um mundo vivido.
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